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Mercado de games está em alta no Nordeste e atrai atenção de investidores

Quem nasceu na década de 80 e não vibrou com Enduro, Pac man, X-man, Hero - alguns dos clássicos do Atari - é porque não gostava mesmo de videogames. Nessa época, a do telejogos, toda uma geração passou a curtir ainda mais os games que foram difundidos no Brasil. Uma série de versões de jogos e equipamentos surgiram aos montes ao longo dos anos: SG 1000, Super Nintendo, PlayStation. Mas foi nos anos 2000, com a consolidação da internet, que os jogos digitais passaram a ganhar espaço e força no mercado.

Hoje, o Brasil é um dos países em que o mercado de jogos digitais mais cresce. As vendas, em 2011 somaram US$ 400 milhões já para este ano, a previsão é de fechar em US$ 1,5 bilhão (2% do mercado mundial). Apesar desse salto dentro do país, o professor adjunto do Instituto Metrópole Digital, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Charles Madeira, diz que a indústria brasileira ainda é de baixa expressão no cenário mundial. "Ela (a indústria), está muito concentrada no Sudeste, fatura pouco e é, em grande parte, financiada por recursos próprios", observa Madeira.
 
Nas últimas décadas, o mercado mundial de jogos digitais passou de uma pequena indústria de nicho para uma grande área da indústria do entretenimento. De acordo com a empresa de consultoria Newzoo, esse mercado está avaliado em cerca de US$ 90 bilhões para 2015. "Isso significa um valor maior do que o das indústrias de publicidade, de música e cinema. Além disso, as previsões econômicas indicam que este mercado promoverá o maior crescimento da indústria da mídia nos próximos anos, com um percentual de cerca de 9% ao ano", afirma Madeira.

PRIMEIRO CENSO
O I Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, realizado pelo Grupo de Estudos e Desenvolvimento da Indústria de Games (GEDIGames), em 2014, que considera apenas dados sobre os desenvolvedores - principal elo da cadeia de valor - indica que a concentração das empresas está nas regiões Sul e Sudeste, sendo a maioria em São Paulo, com 54 empresas (36,24%), seguidos pelos estados do Rio Grande do Sul, 16 empresas (10,74%) e Rio de Janeiro, com 12 (8,05%). Isso ocorre porque há mais centro de formação e universidades com cursos de desenvolvimento em Jogos Digitais que formam profissionais capacitados para atuar na região.

Têm, ainda, um melhor acesso à internet, às ferramentas de desenvolvimento, e às oportunidades de negócios, o que justifica a liderança no segmento. Já no Nordeste, Pernambuco, em 5º lugar no ranking, tem 10 empresas (6,71%). O estado se destaca, especialmente, em função do Porto Digital, polo que agrega diversas empresas de tecnologia. Depois vem a Paraíba, em 9º lugar, com seis empresas (4,03%) e a Bahia, em 10º lugar, com cinco empresas (3,56%). A maior parte das empresas faturaram, em 2013, até 240 mil reais. Assim, a indústria é composta predominantemente por pequenas e médias empresas (PME), sendo que a maioria delas ainda está em estágio inicial de suas atividades.

MERCADO PROMISSOR
De acordo com o coordenador de Jogos Digitais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o professor Breno Carvalho, o mercado no Nordeste está muito bom, mesmo com o momento ruim da economia brasileira. Segundo ele, algumas empresas e startups desenvolvem serviços de produção de jogos e materiais interativos. "Em Recife são desenvolvidos projetos para empresas nacionais e internacionais. Estamos exportando produtos para jogos e games digitais para mercados como Alemanha e EUA. Algumas empresas daqui começaram a desenvolver jogos para o mercado asiático", conta Carvalho, que atribui o crescimento do mercado em Pernambuco ao incentivo com concursos para desenvolvimento de jogos voltados pra educação (serious games), como o caso do Desafio Recife (http://www.recife.pe.gov.br/desafioecorecife). "Temos aplicações dos games para todas as áreas. Quando o produto digital não é game, é algum projeto com processo de gamificação, que é quando se usa elementos dos jogos. Até para vender apartamentos usa-se o ambiente dos jogos. Na Inglaterra, têm se desenvolvido jogos para treinamento de médicos para atuarem em cirurgias, pois o médico usa controles para fazer intervenções no paciente. Lembre-se que, em muitos casos, fazem-se pequenas incisões para inserir lâminas e câmeras para a cirurgia. As Forças Armadas e a polícia, no Brasil, já usam simuladores (serious games) para treinamento", constata Carvalho.

Entre as áreas de atuação, há o desenvolvimento de aplicativos, jogos analógicos (tabuleiro, cartas), computação gráfica para publicidade, e-commerce, simuladores, softwares, tecnologias educacionais, websites, e vídeos 3D, entre outras tantas.

Mas empreender no mercado de games tem seus desafios. Conforme a doutoranda em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Isa de Jesus Coutinho, as tributações que atingem os empreendedores de forma geral dificultam os negócios. "É preciso ter diferencial num mercado que se mostra altamente competitivo. No caso dos jogos digitais com finalidade educativa, um desafio é de proporcionar aprendizagem e diversão de forma contínua. Além disso, tem a busca de patrocinadores, exposições dos produtos e produção de um plano de negócios que atenda ao mercado e o fortalecimento do grupo de desenvolvedores de forma a consolidar o segmento", enumera ela, que aponta a integração entre desenvolvedores e a academia é fundamental para o fortalecimento do mercado interno.

LABORATÓRIO BAIANO É PIONEIRO EM CRIAÇÃO DE GAMES
O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Digitais, denominado Comunidades Virtuais, existe desde de 2002 e funciona na Universidade do Estado da Bahia (Uneb). De acordo com Isa Coutinho, o objetivo é de disseminar a cultura digital e, para isso, já desenvolveu vários jogos educativos, em sua maioria encomendados pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Além disso, concentra investimentos nas atividades de pesquisa através da formação de mestres e doutores, extensão e capacitação de docentes no estado. "Com o compromisso de alavancar o setor de games na Bahia o referido centro tem investido na criação de um grupo de profissionais voltados ao desenvolvimento de jogos a partir da educação básica, graduação além da pós-graduação. Esse ano, por exemplo, contamos com a segunda turma do Curso de Game Designer sediada na Uneb. Para o ano de 2016, o vestibular para o Curso Superior de Tecnologias Digitais com o conceito de empreendedorismo na área de jogos, também na Uneb. Ainda em 2016, o curso de formação em parceria com o SENAC destinado ao público de jovens a partir de 14 anos que estejam cursando ou concluído o ensino médio. A pretensão é prepará-los para atuação no mercado de jogos", revela.

Em um mapeamento realizado em 2014 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Digitais Comunidades Virtuais da Uneb foi apontado como o maior desenvolvedor de jogos digitais com finalidade educativa. O investimento do Centro também está voltado para os aplicativos e mídias interativas de formatos híbridos. A última inovação está relacionada à criação de um Gamebook. O Gamebook se constitui em uma mídia híbrida com elementos que misturam games e aplicativo book (livro com narrativa interativa), que tem por finalidade estimular as funções executivas como memória de trabalho, planejamento, flexibilidade cognitiva, atenção sustentada, monitoramento e controle, em crianças com ou sem indicação de TDAH, na faixa etária de 8 a 12 anos.

De acordo com a Coordenadora do Gamebook, Lynn Alves, "O projeto foi todo desenvolvido através de uma metodologia colaborativa, com o apoio de profissionais e especialistas da área". No Gamebook o leitor-jogador vai ser convidado a imergir pelo universo da Floresta Amazônica, onde vai encontrar os Guardiões da Floresta, que são representados pelo Lobisomem, o Saci Pererê, a Iara, entre outros personagens do nosso folclore, que se juntam à personagem de nome Lyu, e travam a batalha contra uma fábrica responsável pela devastação da floresta. O leitor-jogador vai ser desafiado a solucionar problemas que irão exigir o treino das funções executivas. Essa iniciativa tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). "Após a sua finalização, será disponibilizada gratuitamente", garante Alves.

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E CONVULSÃO
Embora o game esteja em alta e o mercado cheio de novidades e possibilidades, existem casos, especialmente para jogadores, que podem virar problemas graves. Isso porque há uma tênue linha que separa o prazer de jogar, que é saudável, em compulsão, que é grave e pode ser tratado como distúrbio mental.

Conforme a psicopedagoga piauiense, Jossandra Barbosa, estudos comprovam a importância dos jogos virtuais para o desenvolvimento cognitivo. "Não dá mais para privar crianças e jovens de jogos e da internet. E são muitos benefícios que os jogos causam, desde a melhora na coordenação visio-motora até a interação com pessoas de várias nacionalidades, o que estimula a comunicação e o aprendizado de outros idiomas", diz ela, que ainda lista, entre outros benefícios, o raciocínio lógico, mais noção espacial, de matemática.

"O mundo está aderindo a isso! Hoje se usa jogos na psicanálise. Portanto, quando uma pessoa que joga muito passa a ter baixo rendimento na escola, no trabalho ou em casa, começa a ser preocupante, pois pode ter perdido o controle", avalia Barbosa. Segundo ela, os sintomas são claros: "a pessoa joga em todo lugar, todo ambiente e em todo momento, se esconde para jogar, só fala de jogos além de ficar muito tempo sentada. Aí é ruim. Causa até problemas biológicos, como falta de sono, baixa ingestão de água, problemas renais e obesidade. Nesse caso, é hora de buscar ajuda de um profissional", alerta a especialista.
 
"Grande parte da minha habilidade de percepção e tomadas rápidas de decisões foram estimuladas graças aos jogos de estratégias em tempo real como Warcraft, Starcraft, Civilization, Simcity e muitos outros", conta o idealizador da maior feira de games do Norte-Nordeste, o baiano Ricardo Silva. Em entrevista à TI (NE) ele conta um pouco de como transformou a sua paixão por games em um negócio promissor.
 
A Gamepolitan surgiu a partir da sua paixão por games. Conte um pouco essa história.

Sou apaixonado pela cultura pop desde a infância e cresci rodeado de quadrinhos, desenhos animados e jogos. Entretanto, meus pais enxergavam este universo cultural como um hobbie, mas eu queria me dedicar profissionalmente a este ramo. Fiz graduação em design e artes plásticas com o propósito de fazer especialização em animação no Japão. E, em uma das disciplinas do meu curso de design (metodologia de projeto), a professora pediu que fizéssemos um trabalho extraclasse aplicando os conceitos aprendidos em sala de aula. Nessa época eu tinha visitado uma grande convenção de desenhos animados em São Paulo e estava empolgado em criar algo similar em Salvador. Foi assim que criei meu primeiro evento de cultura pop oriental na Bahia, o Anipólitan, em 2003. Por 9 anos realizei este festival (que cresceu de 30 para 10 mil pessoas). Aí criei a marca Gamepólitan para identificar essa atividade dentro do festival e, o que começou com uma pequena sala com 4 videogames, cresceu a ponto de ocupar mais da metade do festival Anipólitan com entretenimento eletrônico. Foi neste momento que eu percebi que precisava criar um novo evento voltado exclusivamente para falar sobre a cultura dos jogos. Em 2012, numa parceria com a escola de computação gráfica Saga, o Gamepólitan fez a sua primeira realização como o primeiro festival de jogos de Salvador. Realizado em 2 dias, o evento contou com 12 campeonatos de videogames e computadores, além de palestras com professores da instituição e um público de quase mil pessoas. Com o sucesso, em 2013 o evento foi para o Centro de Convenções de Salvador e atingiu seis mil pessoas que vislumbraram, pela primeira vez, um grande evento de jogos na Bahia. Agora, caminhando para sua quinta edição, o Gamepólitan já conseguiu um público de 14 mil pessoas, oferecendo palestras com especialistas do mercado nacional e internacional de jogos, workshops para desenvolvimento de games, estandes especializados para exposição de jogos inéditos, além de várias atividades interativas e inéditas, como os campeonatos profissionais de videogames.

Teve época em que os games foram condenados por desviar a atenção dos estudantes, isso mudou?

Os games ainda continuam sendo taxados como os grandes culpados das notas baixas nas escolas, mas isso tem diminuído. Afinal, as crianças de ontem transformaram-se nos pais de hoje! A grande prova é a popularidade dos jogos educativos e a forma como eles estão sendo inseridos no programa didático de diversas escolas. A exemplo disso, temos instituições de ensino que já utilizam o jogo Minecraft como uma incrível ferramenta para passar conhecimento sobre História, Geografia e Matemática. As empresas têm percebido que a gameficação é uma ótima técnica para passar conhecimento e informações em seus programas de treinamento e qualificação profissional. No Gamepólitan, por exemplo, o estúdio SoteroTech fez a exposição de um jogo que simulava a construção de um sitio de extração de gás, e este jogo nada mais é do que uma simulação para treinamento de profissionais antes deles manipularem equipamentos que chegam a custar milhões. Isso minimiza os riscos de danos de equipamentos por mau uso.

O evento já vai para a 5ª edição. Desde que começou, quais os desafios e conquistas?

Acho que a primeira conquista que conseguimos foi consolidar uma grande feira de jogos na Bahia e torná-la a maior do Norte-Nordeste. A Bahia nunca havia experimentado algo parecido com o que o Gamepólitan ofereceu. Foi um verdadeiro choque, tanto para o público, que não esperava um evento deste porte, quanto para o mercado local, que não sabia como aproveitar as oportunidades de negócios que este tipo de evento tem a oferecer. A segunda grande conquista foi na contribuição para consolidar uma comunidade de desenvolvedores de jogos independentes na Bahia. A Bind (Bahia Indie Developers) é fruto dessa união e transformou-se rapidamente em uma das grandes referências sobre desenvolvimento de jogos na Bahia. Outra conquista foi em oferecer uma visão mais profissional sobre o jogar videogames. No Gamepólitan organizamos mais de 10 campeonatos, sendo seis de videogames e quatro em computadores, com mais de R$ 15 mil em premiações em dinheiro. E isso é pouco, comparado a grandes campeonatos que já acontecem no Brasil e premiam jogadores com somas que ultrapassam mais de R$ 50 mil. Mas não vamos parar aí: o Gamepólitan tem muito a construir e a contribuir para o mercado de games do Brasil, principalmente no Nordeste. O segmento de desenvolvimento nacional de jogos precisa de mais visibilidade e são eventos como o Gamepólitan que servem de catapulta para lançarem os jogos brasileiros para o sucesso em escala nacional e internacional.
 
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