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Prefeituras também devem oferecer incentivo para a microgeração

Se as fontes renováveis de energia proporcionam benefícios imensuráveis à sociedade, é preciso que haja esforço coletivo para viabilizar a implantação e utilização destas fontes.

Segundo o coordenador do curso de Engenharia Eletrônica da Universidade de Fortaleza, Wellington Brito, esta união inclui a prefeitura e mais incentivos do Governo Federal e Estadual.

Nessa entrevista, ele fala sobre a possibilidade de isenção de IPTU, sobre os leilões de energia e sobre a importância do planejamento, tanto por parte do Governo, como por parte do consumidor.

Segundo dados da Aneel, Ceará é o estado do Nordeste com o maior número de conexões de mini e microgeração de energia. São 145, quase o dobro do número de conexões em Pernambuco (75), que ocupa o segundo lugar do ranking da região, e mais que o dobro das 68 conexões da Bahia, terceiro lugar. Em sua opinião, o que motiva esse número de conexões do Ceará?
 
Esses números ainda são pequenos comparados ao potencial existente. Por exemplo, a ANEEL prevê que até 2024 teremos mais de 1,2 milhão de unidades consumidoras gerando sua própria energia, totalizando 4,5 gigawatts (GW) de potência instalada, e alguns estudos apontam para números ainda maiores.

O Ceará tem um pioneirismo no uso das fontes renováveis. Foi assim com a energia eólica, com a energia solar e a energia a partir das marés. Entretanto, no caso da energia eólica, o Estado do Ceará, depois de liderar por muito tempo o setor, vem perdendo protagonismo para outros estados. Esperamos que, no caso da geração distribuída, o Ceará mantenha a liderança regional, visto que em nível nacional não é possível liderar em termos absolutos, pois temos estados bem mais populosos. Mas em termos percentual é possível que o Ceará seja um protagonista importante no desenvolvimento deste setor.

Além das novas regras da Aneel para a micro e minigeração distribuída e para o Sistema de Compensação de Energia Elétrica, que outras medidas o senhor acha que poderiam ser adotadas no país para incentivar esse tipo de geração?

No geral, esta última resolução 687/2015 atendeu a maioria das expectativas do setor. Um dos principais entraves hoje para que tenhamos o uso intensivo da geração distribuída é o custo ainda alto para o consumidor. Embora sejam soluções viáveis com retorno garantido, há necessidade de um investimento inicial alto com prazo de retorno, dependo do caso, superior a 6 anos.
Entretanto, a vida útil destes sistemas é de 25 anos ou mais. Como resolver este problema? Este tipo de geração traz benefícios para todo o sistema elétrico, pois alivia sua carga e reduz necessidades de investimento, reduz as perdas do sistema pois o consumo está mais próximo da geração, além de serem fontes renováveis com baixíssimo impacto ambiental.

Neste sentido, os governos deveriam criar maiores incentivos ao seu uso. As prefeituras, por exemplo, devem oferecer incetivos através de seus tributos como isentar ou reduzir o valor do IPTU para imóveis que fazem uso destes tipos de sistemas. Também é importante que as linhas de financiamento tenham taxas menores, visando não somente atender aos setores produtivos, mas também aos consumidores pessoas físicas. Saliento que o Estado do Ceará tem uma grande oportunidade de atrair e desenvolver a cadeia produtiva da energia solar fotovoltaica o que geraria muitas oportunidades de emprego e renda para o Estado.

O que o senhor acha das novas regras da Aneel?

As novas medidas de atualização da Aneel foram bem recebidas, tanto pelo setor produtivo, quanto pelos consumidores, e visam estimular o desenvolvimento desta fonte de energia.

Dentre as mudanças que começaram a valer a partir de 1º de março desse ano, quero destacar o aumento da potência de minigeração de 3 MW (Mega Watts) para 5 MW, o que pode favorecer a viabilidade desta iniciativa para diversos tipos de empreendimentos. Outra mudança importante foi a ampliação do prazo de compensação da energia excedente gerada em um mês, que deveria ser compensada em até 36 meses e passou para 60 meses.

A geração distribuída em condomínios também tem impacto positivo. A figura da "geração compartilhada", possibilitando que diversos interessados se unam em um consórcio ou em uma cooperativa, instalem uma micro ou minigeração distribuída, e utilizem a energia gerada para redução das faturas dos consorciados ou cooperados, também viabiliza muito a adesão.

Por último, gostaria de destacar, embora não seja uma medida da Aneel, mas do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o convênio que possibilita os Estados isentarem os consumidores do pagamento do tributo estadual (ICMS) sobre a energia que ele próprio gerar. Uma família que consome 200 kWh ao mês e que produza 150 kWh, recolherá ICMS apenas sobre 50 kWh, por exemplo.
 
Qual a medida mais importante na sua opinião, a ampliação do prazo de duração dos créditos de energia elétrica de 36 para 60 meses ou a isenção de ICMS, feita pelo Governo do Estado?

As duas medidas são importantes para estimular o desenvolvimento do setor. Entretanto, considero que a isenção de ICMS sobre o consumo da energia autogerada, que não fazia o menor sentido, e o bom senso prevaleceu, tem um impacto positivo direto na viabilidade deste tipo de empreendimento, reduzindo o prazo de retorno do investimento.
 
Mesmo com os atuais benefícios, o cliente que gera a sua própria energia ainda paga uma taxa mínima. Em sua opinião, essas cobranças deveriam ser extintas?

A taxa mínima, também conhecida como custo de disponibilidade, é o valor pago à concessionária para que ela possa manter o seu sistema elétrico e sua estrutura de atendimento em funcionamento. Para clientes de Baixa Tensão, essa taxa mínima equivale hoje ao consumo de 30 quilowatts/hora, em média, R$ 17, se o cliente for monofásico. Se for bifásico, paga um valor correspondente a 50 kW/h e se trifásico, a 100 kW/h.

Existem questionamentos e até projetos de lei para extinguir esta cobrança, alegando-se que não devemos pagar por serviço não realizado. Entretanto, caso a taxa seja excluída, o valor será repassado para a tarifa de quem consome.
 
E a taxa de iluminação pública?

É um encargo de responsabilidade das prefeituras e o seu valor deve cobrir custeio do serviço público de iluminação, incluindo a instalação, consumo de energia, manutenção, melhoramento, operação, fiscalização e demais atividades vinculadas ao sistema de iluminação das vias e dos logradouros públicos existentes no território do Município. O problema deste tributo é a falta de transparência quanto aos seus custos reais. Na grande maioria dos casos, não existe medição, o valor é estimado pelas características das luminárias e tempo de uso. Falta também transparência no emprego destes recursos e temos um serviço ruim, pois o sistema de iluminação público, no geral, é de baixa qualidade e ineficiente. Ou seja, em muitos locais falta iluminação, e onde há a iluminação pública, a qualidade é ruim. Nossas ruas são escuras, o que contribui para a sensação de insegurança.

O Ceará tem desenvolvido muitas pesquisas com temas como fontes renováveis de energia, eficiência energética e Smart Grid?

As pesquisas existentes atualmente são pontuais e precisam de maior incentivo neste setor. Há um esforço por parte das instituições de ensino no Estado no sentido de revisar o currículo de seus cursos, inserindo conteúdos voltados para estes campos de estudo e também na criação de novos cursos focados nestas áreas em diversos níveis de formação, desde nível técnico, tecnólogos, engenheiros e também em nível de pós-graduação.

Junto a este esforço está sendo montada uma estrutura de laboratórios e campos de prática visando suprir estas demandas de formação de mão de obra. Precisamos ter foco maior em pesquisa nestas áreas visando formar "massa crítica", o que contribuirá para o desenvolvimento do setor no Estado e no país.
 
Há alguns editais de inovação para Energias Renováveis, outros que inserem esta área dentro da temática ambiental, que é muito ampla. Então, este é um trabalho de conscientização que precisamos fazer, junto aos diversos agentes de desenvolvimento, nas diferentes esferas de governo, e também, junto à sociedade, mostrando os benefícios que este tipo de geração de energia traz para todos.

Então o senhor sente que é preciso investir mais em pesquisa?

Sim, a eficiência energética, por exemplo, é um tema de extrema relevância para o país e pouco estudado e comentado. As empresas, com razão, reclamam muito dos altos custos de energia, mas pouco investem em eficiência energética, que poderia reduzir consideravelmente os curtos com energia, contribuindo para a melhoria da competitividade do negócio. Em muitos casos, é desconhecimento. Há carência de mão de obra especializada nesta área.

Com relação a Smart Grid, trata-se de um conceito amplo, que passa pelo uso de diversas tecnologias, eletrônicas e computacionais que serão incorporadas aos sistemas elétricos abrangendo todos os estágios do processo desde a geração, a transmissão e distribuição de energia elétrica, chegando até o consumidor final. Todas estas tecnologias têm como objetivos melhorar a gestão do sistema, contribuindo para redução de perdas (técnicas e comerciais), melhorar a disponibilidade, confiabilidade e eficiência de todo o complexo sistema elétrico brasileiro.

Os sistemas de energia solar e eólica ainda são caros. Isso porque, grande parte dos equipamentos é importada. Em sua opinião, por que esses equipamentos não são desenvolvidos no país? Faltam pesquisas ou incentivos?

Faltam ambos. Falta visão e planejamento de longo prazo. Este tipo de tecnologia não se desenvolve por voluntarismos ou iniciativas individuais. Temos que ter política de estado, no sentido de induzir e criar as condições para o desenvolvimento do setor. Temos um bom exemplo na própria área que é o caso da energia eólica, que quando começou, por volta de 2007, era quatro vezes mais cara que a energia hidrelétrica, mas através de incentivos e leilões específicos toda uma cadeia no setor foi sendo desenvolvida.

Com isso, o setor teve ganho tecnológico e de escala, que reduziu o preço. Hoje, esta fonte de energia compete no mesmo patamar de preço com a fonte hidrelétrica. Isto pode acontecer com a energia solar em escala muito maior pois esta fonte de energia, além de poder ser utilizada em grandes plantas é, atualmente, a tecnologia mais viável para a micro e minigeração, com potencial para gerar milhares de emprego e, o que é melhor, geograficamente distribuídos, incluindo regiões de baixo índice de desenvolvimento (IDH).

Em 2014, pela primeira vez tivemos leilão específico para fonte de geração solar, este foi o caminho que levou ao desenvolvimento do setor de energia eólica para uso em grandes plantas de geração. Somando-se isto ao desenvolvimento da geração distribuída, teremos as condições criadas para a instalação no país dos fabricantes dos equipamentos.

Que estratégias o Governo pode adotar para melhorar estas condições?

Para incentivar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, o governo deve implementar uma política que estabeleça requisitos e metas de produção e geração de tecnologias nacionais. Vale salientar, que nos próximos 15 anos, o Brasil vai, praticamente, dobrar sua capacidade instalada.
 
Está cada vez mais difícil instalar grandes usinas hidrelétricas, devido ao impacto ambiental na fase de construção. Então a saída são as fontes alternativas, como a energia eólica e solar. Também temos um grande potencial para ser explorado que é a biomassa, que traz uma série de benefícios ambientais. Além disso, outras formas de exploração de energia solar precisam ser desenvolvidas, como a heliotérmica, conhecida internacionalmente como Concentrating Solar Power (CSP), que transforma a energia solar direta em energia térmica e, subsequentemente, em energia elétrica.

O que o senhor acha do uso de baterias no sistema solar?

As baterias tornam o sistema mais caro e só compensam em casos que o sistema não seja conectado à rede, off-grid. No Caso da micro e minigeração, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica já funciona como método de reserva, dispensando o uso de baterias, porque a energia gerada e não consumida é injetada na rede e convertida em créditos, que são abatidos na conta do cliente. Além disso, o impacto ambiental é reduzido, porque as baterias têm vida útil de, no mínimo, três anos.

O senhor tem sistema de energia solar em casa? Pensa em instalar?

Não tenho sistema de energia solar em casa. Penso em instalar e estou atento às condições de mercado. Gostaria de salientar que o projeto e análise de viabilidade deve ser estudado caso a caso, pois isto depende do perfil de usuário. O consumidor interessado deve procurar um especialista para analisar a viabilidade a partir dos seus dados de consumo, e elaborar o projeto e custos envolvidos para então tomar a decisão com embasamento técnico e econômico.
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