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Projeto Internetorg gera polêmica entre especialistas

Para metade dos mais de 204 milhões de brasileiros, a internet é uma realidade
sem volta e necessária à inclusão social e profissional. Mas, para a outra metade - os excluídos digitais - a rede é ainda uma revolução desconhecida. De olho nessa parcela de pessoas que não pode pagar pelo acesso à internet, o Facebook desenvolveu um projeto gratuito, o internet.org - internet para todos. Trata-se de
um serviço gratuito, mas que tem gerado muita polêmica no país.

Implantado em regiões periféricas da Ásia, como a Índia, e na América Latina, a exemplo de Colômbia, Guatemala, Panamá, o projeto é condenado por uma
boa parcela de especialistas em direito digital e do consumidor. Parte do problema está na utilização, pois o acesso fica restrito ao Facebook e seus parceiros comerciais, como Wikipedia e Google. Além disso, há outros agravantes, especialmente no que tange à privacidade, pois permite que o
Facebook recolha os dados dos cidadãos menos favorecidos.
 
De acordo com a advogada e coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor - Proteste, Maria Inês Dolci - quando se promete acesso gratuito e exclusivo à aplicativos e serviços, o Facebook limita a possibilidade de serviços existentes na rede. "A empresa oferece uma parte, e não a totalidade dos serviços de internet aos usuários de baixa renda", disse.
 
Por considerar um projeto sem transparência e que fere os princípios do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965), a Proteste encaminhou, em abril deste ano, uma carta à presidente Dilma, com críticas ao possível acordo entre o Facebook e o governo, anunciado por Rousseff no mesmo mês, para levar internet à população de baixa renda e de áreas isoladas do Brasil.
 
"Nossa preocupação é de haver um cartelização do mercado e, portanto, faltar
estímulos aos preços mais baixos. O projeto também compromete o objetivo da universalização da internet, além de ferir a livre concorrência e a liberdade do fluxo de informação, que hoje é um ganho. Entre os pontos negativos, ainda tem a violação do princípio da privacidade, pois os dados pessoais dos usuários podem ser disponibilizados, o que deixa o consumidor vulnerável.
Assim, os interesses comerciais e as pressões políticas poderão utilizar-se dessa vulnerabilidade,dessa brecha", avalia Dolci.
 
LIMITAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Um exemplo dos riscos causados ao consumidor com a restrição de conteúdo é a limitação de informação. Quando tem acesso irrestrito à rede, o cidadão pode comparar preços, marcas e modelos. Tem-se uma gama de produtos e informações que podem ser cruzadas para melhor atendê-lo. No entanto, com o Projeto internet.org, essa possibilidade é inviabilizada, já que o consumidor só terá acesso a empresas e produtos predeterminados pelo Facebook e seus parceiros.
 
Em uma perspectiva neutra, a advogada Renata Quadros, especialista em Direito Cível e do Consumidor, avalia que a iniciativa é inovadora, pois promete levar acesso economicamente viável às pessoas de baixa renda. Entretanto,
ela diz que precisa ser mais transparente e avaliado sob o crivo da Lei e dos princípios salvaguardados na Constituição do país.
 
"O que precisa ficar claro para o consumidor é a existência da segura opção de acesso à internet tradicional. Isso não pode ser usurpado através da oferta de uma ferramenta com claras limitações de acesso como se fosse uma alternativa similar à internet tradicional. A legislação brasileira é clara ao estabelecer que a internet é plural e diversa, aberta à colaboração, à livre iniciativa e livre concorrência, sendo assegurada a defesa do consumidor e a finalidade social da rede. Essas características deverão ser mantidas, não podendo sofrer limitações, a não ser em casos específicos e excepcionados pela própria Lei em seu artigo 9, § 1 e 2", orienta a advogada. Para ela, o projeto ainda é muito recente e precisa ter mais clareza e transparência em sua forma de utilização para depois ser contestado em sua funcionalidade e legalidade.
 
Já o especialista em inovação digital e redes sociais, fundador do Social Brunch e da Trianons, Juliano Kimura, os impactos sociais e econômico do
projeto, caso seja implantado no Brasil, são muitos e positivos. Segundo ele, o acesso à internet gera negócios e oportunidades para regiões que ainda não têm visibilidade. "Se o acesso chegar até os locais mais remotos, poderemos ter infinitos negócios sendo gerados por meio da internet. Porém, isso só acontece a longo prazo. A curto prazo, pode-se ver uma valorização da economia criativa. Outro ponto é o conhecimento, como o da cultura brasileira, que é rica, sobretudo em regiões mais afastadas. Assim, por meio do projeto, por exemplo, teríamos a oportunidade de conhecer a realidade de tribos indígenas que existem em regiões afastadas das grandes cidades do Brasil",
considera Kimura.
 
"Isso não pode ser usurpado através da oferta de uma ferramenta com claras
limitações de acesso como se fosse uma alternativa similar à internet tradicional. A legislação brasileira é clara ao estabelecer que a internet é plural e diversa,aberta à colaboração, à livre iniciativa e livre concorrência, sendo assegurada a defesa do consumidor e a finalidade social da rede" Renata Quadros, advogada especialista em Direito Cível e do Consumidor.
 
O especialista ainda contesta que o projeto não fere o Marco Civil da Internet e nem tem o objetivo de enriquecer mais o Facebook. Para ele, a iniciativa tem a principal finalidade de disponibilizar o acesso às pessoas que não têm poder aquisitivo para isso. Assim, contribui para a obtenção de novas informações e empoderamento dessa classe social. "Quem não tinha conexão pode acessar e compartilhar informações importantes sobre suas experiências pessoais e profissionais.
Mas, para levar acesso às pessoas é muito caro. Sem contar os problemas
políticos e entraves regionais. Por isso, um investimento como este, para se tornar rentável, demoraria pelo menos uma década. Pessoas que iniciam o uso da internet agora estariam aptas para aproveitar 100% daqui a uma geração. Acredito que o retorno financeiro está em segundo plano. O primeiro foco é o impacto social. Empresas com maior impacto social têm maior valor financeiro",
constata Kimura, que aponta uma mudança de cultura empresarial, já que, nos dias atuais, as empresas tendem a se preocupar com a qualidade de vida das pessoas em vez de somente apostar no retorno financeiro.
 
DECISÃO CONJUNTA
Nesse sentido, um dos fundadores do Facebook, Mark Zuckerberg, disse em
diversas entrevistas aos mais variados meios de comunicação brasileiros,
que a neutralidade da rede é compatível com a internet.org e, portanto, não fere qualquer legislação. Segundo ele, a empresa não escolhe sozinha os sites que serão incluídos no projeto, e sim, trabalha com operadores e governo para decidir quais serviços fazem mais sentido em uma determinada realidade. Zuckerberg afirma que cerca de 800 milhões de pessoas já foram beneficiados com a internet e diz que quer levar acesso a ainda mais pessoas pelo mundo. "Quando alguém não pode pagar por conectividade é sempre melhor ter algum
acesso do que nenhum".

 
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