O WhatsApp saiu do ar: eu tenho direito a indenização?

No último 16 de dezembro, o Brasil foi surpreendido com a determinação da juíza da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo, após deferimento do pedido do Ministério Público - Grupo de Combate a Facções Criminosas - de suspensão do serviço de mensagens instantâneas WhatsApp em todo o território nacional, em virtude do não atendimento, por parte da empresa, das solicitações judiciais de quebra de sigilo de dados e/ou telefônico de uma quadrilha de roubo a banco e caixas eletrônicos, encaminhadas em 23 de julho de 2015 e 07 de agosto de 2015.

A legislação do Marco Civil da Internet nos esclarece que serviços (como o WhatsApp, Facebook e outras redes) devem fornecer informações pessoais sobre usuários mediante ordem judicial, o que de fato foi feito por parte do Judiciário, que emitiu as referidas ordens. Entretanto, a lei não especifica as sanções em caso de não cumprimento. Há de se esclarecer que o artigo 12 do Marco Civil determina, entre as sanções ao descumprimento de questões ligadas à proteção da privacidade e dos dados pessoais, a suspensão das atividades das empresas, das atividades de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet.

Entretanto, não há na letra da Lei permissão à suspensão das atividades da empresa como um todo. Vale lembrar que o avanço com a promulgação do Marco Civil foi fazer com que as leis brasileiras fossem cumpridas por toda e qualquer empresa que preste serviço de acesso, processamento e armazenamento de dados de brasileiros, não levando em consideração se essas têm ou não representação legal no Brasil. Ou seja, se uma empresa estrangeira se estabelece no Brasil para prestar algum desses serviços, deve se sujeitar ao regramento do País. E, para deixar essa regra bem clara, o artigo 11 do Marco Civil vem e determina: "aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil". Ora, se duas ordens judiciais já haviam sido emitidas à rede social e esta não se manifestou, caberia ao MP e à juíza ter-se valido do tratado internacional de cooperação judiciária existente entre o Brasil e os Estados Unidos para solicitar que as autoridades americanas solicitassem os dados necessários à investigação diretamente ao WhatsApp nos Estados Unidos.
 
Existe, ainda, o entendimento de que a determinação foi, no mínimo, inconstitucional, por violar a CF/88 em sua cláusula de proteção à liberdade de expressão e, desta forma, ter gerado prejuízos aos milhões de usuários do referido serviço. Ao meu ver, o embasamento jurídico do desembargador Xavier de Souza na concessão da liminar que determinou o restabelecimento do serviço da rede social segue esse entendimento, uma vez que o próprio magistrado da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça assim esclareceu: "em face dos princípios constitucionais, não se mostra razoável que milhões de usuários sejam afetados em decorrência da inércia da empresa" em fornecer informações à Justiça. Desta forma, a juíza responsável pelo processo poderia ter majorado a multa inicial de R$100 mil ao WhatsApp em caso de descumprimento da ordem judicial, ou, até mesmo, ter determinado a atualização desta, pois informações indicam que a multa hoje já chega ao valor de R$6 milhões. O ponto atenuante da referida decisão foi a infração ao regramento da neutralidade da Rede que tanto se discutiu e se quis preservar quando da promulgação do Marco, isso porque o princípio da neutralidade da rede ensina que nenhuma empresa pode ter acesso a informações pessoais, pois se assim o fizer, estará invadindo a privacidade do seu cliente. É a própria Justiça violando esse direito, pois, no caso em tela no despacho da referida ordem de bloqueio, a juíza determina "a limpeza de cache dos domínios e tudo mais que for necessário para a suspensão do tráfego de informações, coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registro de dados pessoais ou de comunicação entre os usuários de rede que trafeguem por meio de provedores de acesso ou provedores de conexão ...", logo, infringe a regra da neutralidade da rede. Por fim, chamo a atenção de que tal medida fez que com que grande parte da população brasileira fosse prejudicada nessas 14 (quatorze) horas de suspenção do serviço. Digo grande parte da população, pois alguns brasileiros ativaram o serviço via VPN e, através deste tipo de serviço, aquelas pessoas que possuem uma rede Wi-fi não provida pelas operadoras não ficaram sem utilizar a referida rede social. E tal medida, por parte destes usuários, não caracteriza de forma alguma o descumprimento desta ordem judicial ou da legislação brasileira em vigor. Vale lembrar que a referida rede social conta com mais de 1 milhão de usuários, sendo certo que muitas empresas, hoje, utilizam o aplicativo como meio de comunicação oficial com seus funcionários, prestadores de serviços e clientes, porém, caso entendam que possuem algum direito à indenização por paralização do serviço entendo, juridicamente, que fragilizado está tal argumento, vez que, para se ter o serviço de mensagens eletrônicas, primeiro devemos ter uma linha de telefone celular e esta não teve seu serviço interrompido, motivo pelo qual, nenhum pedido de indenização por suspensão ou interrupção se sustentaria com objetivo de ressarcimento de danos.
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