A seção Matéria de capa é apoiada por:

Regulamentação da profissão de TI gera polêmica entre especialistas

Na contramão do desemprego e da queda do crescimento que acomete em muitos setores da economia brasileira, o mercado de tecnologia só gera bons resultados. É tão promissor, que a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) prevê aumento de 30% na contratação de profissionais de TI até o final deste ano. Atualmente, o mercado já emprega mais de 1,3 milhão de pessoas. Esses trabalhadores, entretanto, não precisam de diploma ou comprovação de educação formal para atuar na área. Daí surge a dúvida: regulamentar ou não a profissão?

Especialistas e entidades de classe dividem opiniões sobre o assunto. Para uns, a regulamentação burocratiza a relação trabalhista e faz com que o mercado sofra perdas em competitividade, já que, hoje, qualquer pessoa que tenha conhecimento na área pode atuar e gerar negócios, o que deixaria de ocorrer com a regulamentação. Mas outros acreditam que a academia é necessária para o desenvolvimento de pesquisas e mais conhecimento, além de garantir os direitos que o profissional regulamentado tem.

Toda essa discussão corre em torno da proposta de Lei 607 de 2007, do então senador Expedito Júnior. O projeto, que atualmente está arquivado, tem o objetivo de regulamentar o exercício da profissão de Analista de Sistemas e ocupações correlatas. Também criaria o Conselho Federal de Informá- tica e Conselhos Regionais de Informática.

Caso ocorresse a regulamentação, os profissionais que exercem atividades no setor de TI precisariam obrigatoriamente de registro no conselho regional de informática. Para isso, seria necessário ter cinco anos de experiência comprovada em carteira de trabalho para ser analista de sistemas e quatro anos para técnico em informática, caso não tenha diploma, ou então ter graduação na área.

ARTE E INOVAÇÃO
De acordo com o presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação Regional Bahia - Assespro-BA, Urbano Matos, a regulamentação é um equívoco que não confere benefícios, nem para o profissional, nem para as empresas. Ele diz que a tecnologia tem uma dinâmica criativa, que envolve inovação e, por isso, não pode sofrer um "processo burocrático" que venha a reduzir a capacidade de criação dos trabalhadores da tecnologia. "A indústria criativa não pode ser controlada. Concordo que muitas profissões, como Medicina, por exemplo, devam ter seus conselhos, mas a área de TI é diferente.

A profissão em tecnologia se assemelha à área das artes, a exemplo da música. Já pensou se todo músico tivesse que passar pela academia para mostrar seu potencial criativo?" Urbano Matos, presidente da Assespro-BA profissão em tecnologia se assemelha à área das artes, a exemplo da música. Já pensou se todo músico tivesse que passar pela academia para mostrar seu potencial criativo? Isso acontece com a tecnologia. Hoje temos jovens de 18, 19 anos que desenvolvem produtos incríveis. Eles só precisam ter talento, e não de mais burocracia, que já temos demais no Brasil", observa Matos.

Ainda segundo ele, não há qualquer justificativa para a regulamentação da profissão de TI. Em relação ao piso salarial, o presidente da Assespro diz que é uma negociação entre as partes - Trabalhador e empresa - quanto aos direitos trabalhistas, já estão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). "Não podemos burocratizar mais. O diferencial competitivo do país na área de TI está na criação, não podemos criar obstáculos para isso. O mercado tem uma demanda crescente por novos profissionais e precisamos gerar negócios. Temos estrutura, mas falta investimento. Têm muitos impostos e burocracias que atrapalham. Observe o estado de Pernambuco, o setor de TI de lá representa cerca de 5% do PIB. Eles investiram no Porto Digital, entre outros. Mas, aqui na Bahia, continuamos sendo cerca de 1,5% do PIB. É preciso criar um condomínio digital, juntar academia e grandes empresas para desenvolver o setor no estado", completa Matos.

"A profissão em tecnologia se assemelha à área das artes, a exemplo da música. Já pensou se todo músico tivesse que passar pela academia para mostrar seu potencial criativo?" Urbano Matos, presidente da Assespro-BA.

LIBERDADE DE EXERCÍCIO
Assim como o presidente da Assespro, o coordenador de Sistemas de Informação do Centro Universitário Estácio, Edmilton Romão, observa que, embora não seja isenta de pontos positivos, a regulamentação impõe ao profissional a necessidade de um vínculo a um conselho de classe com honorários e "muito mais deveres do que direitos". Para ele, a reserva de mercado pode acabar com a liberdade de exercício dos profissionais de TI e prejudicar a multidisciplinaridade construída sobre as bases da liberdade de atuação profissional, que tantos benefícios proporciona aos resultados e produtos dessa área.

Isso porque as áreas de atuação do profissional de TI são muitas: mainframes e terminais, redes e internet e a considerada terceira plataforma que contempla uma série de aplicativos e serviços como cloud, mobile devices, mobile apps, social technologies e big data/analytcs. "A regulamentação pode afetar o livre desenvolvimento, principalmente de apps nessa plataforma. O exercício das profissões nas áreas de TI em todas as suas atividades deve ser livre e independentemente de pagamento de taxas ou anuidades a qualquer conselho de profissão ou entidade equivalente. Me preocupo com o cerceamento da liberdade do exercício profissional", disse o especialista.

Conforme projeta a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), até 2022 o Brasil terá um déficit de 400 mil profissionais em TI. "Se não tiver cuidado, a regulamentação pode agravar a situação. Os conselhos de profissão não têm meios eficazes de garantir a qualidade dos profissionais neles registrados, e nem como garantir a qualidade dos produtos colocados no mercado pelo fato de ter profissionais registrados em um conselho. Mais importante seria o controle da qualidade de produtos em vez de controlar profissões, sem a preocupação de se criar reserva de mercado de trabalho", constata Romão.

QUALIFICAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E ÉTICA
O ato de regulamentar uma determinada profissão requer estabelecer normas, inclusive qualificação necessária para o exercício da profissão. Com isso, o Projeto de Lei 607/2007, arquivado no final do ano de 2014, previa requisitos para o exercício das profissões de Analista de Sistemas e Técnico de Informática. Previa também a criação dos Conselhos Regionais e do Conselho Federal de Informática, com finalidade de fiscalizar o exercício da profissão.

A favor do projeto, o advogado Cláudio Andrade, especialista em direito trabalhista, diz que a regulamentação possibilita maior segurança para o profissional, assim como para as empresas e para a sociedade em geral, pois evita que pessoas sem a necessária qualificação atuem na área. Por outro lado, a fiscalização ficaria a cargo de conselhos formados pelos próprios profissionais de TI, pois os conselheiros regionais e federais de Informática seriam exclusivamente profissionais de TI, com a incumbência de disciplinar e criar um código de ética. "Isso zela o desempenho ético, prestí- gio e bom conceito da profissão. É claro que essas exigências poderão afastar do mercado alguns profissionais, mas não me parece razoável o argumento de que o Brasil perderá competitividade com a regulamentação", avalia o advogado.

Ele observa, ainda, que é preciso fazer um levantamento com dados estatísticos para dimensionar os impactos da regulamentação. "Com isso, os interessados, por meio das suas representações, a exemplo dos sindicatos, podem interceder junto ao Congresso Nacional durante a tramita- ção do projeto de lei, para minimizar prejuízos aos profissionais que já estão no mercado. Uma solução para preservar os profissionais que estão atuando no mercado é estabelecer um período razoável entre a publicação de uma futura regulamentadora e a sua entrada em vigar, para que nesse período haja melhor assimilação da regulamentação e os profissionais possam adequar-se", diz Andrade que completa: "a regulamentação valorizará a profissão de TI e, com isso, a médio e longo prazos, a tendência é a profissão se tornar mais atrativa, com mais profissionais capacitados ingressando no mercado". Leia a revista

Carregando...